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Tributação de mais valias e limitação à livre circulação de capitais

30-03-2021

Por Adriana Monteiro, Advogada.

Direito Fiscal | Direito Médico

SUMÁRIO

Tributação de mais valias e limitação à livre circulação de capitais: o Regime Nacional de um Estado Membro que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União.



O Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD), em sede de apreciação da legalidade de um acto de liquidação de IRS, emergente de mais-valias imobiliárias por não residente, submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

As disposições conjugadas dos artigos [18.° e 63.° a 65.° TFUE] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no presente processo (n.o 2 do artigo 43.o do [CIRS]), com as alterações introduzidas [...] [com aditamento dos n.os 9 e 10 ao artigo 72.o do referido Código], por forma a permitir que as mais‑valias resultantes da alienação de imóveis situados num Estado‑Membro (Portugal), por um residente de um outro Estado‑Membro da União [...] (França) não fiquem sujeitos, por opção, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais‑valias realizadas por um residente do Estado onde estão situados os imóveis?

No quadro interno do Estado Português, ao tempo dos factos (2017) artigo 43º, sob a epígrafe mais‑valias, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na sua versão aplicável aos factos no processo principal, dispunha, nos seus n. 1 e 2:

1. O valor dos rendimentos qualificados como mais‑valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais‑valias e as menos‑valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n. 1 do artigo 10º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

O artigo 68º, n. 1, deste código estabelece a tabela progressiva dos escalões de tributação. Em 2017, a taxa máxima do imposto, de 48 %, aplicava‑se aos rendimentos colectáveis superiores a € 80.640,00.

Em conformidade com o artigo 68º‑A do referido código, aos rendimentos colectáveis de € 8.000,00 a € 25.000,00 aplicava‑se uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % e, acima desse valor, a referida taxa ascendia a 5 %.

O artigo 72 do CIRS, sob a epígrafe Taxas especiais, previa nomeadamente as seguintes disposições:

1. São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a)

As mais‑valias previstas nas alíneas a) e d) do n. 1 do artigo 10 auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

(...)

9. Os residentes noutro Estado‑Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu [(EEE)], desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n. 1 e no n. 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n. 1 do artigo 68, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10. Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

Escriturando os factos levados ao seu conhecimento, à luz do direito em vigor no Estado Membro de Portugal, foi submetido ao TJ a questão de saber de (...) e os artigos 18º e 63º a 65º do TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

Apreciando, considerou o TJ, no Acórdão C- 388/19, de 18.03.2021, que o (...) regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais‑valias sobre a venda de imóveis.

Fundamentando que [n]estas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais‑valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72º, n. 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.o, n. 1, TFUE.

Pois, sublinhou (...) um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.º 53 e jurisprudência referida).

Concluindo a final, que (...) o artigo 63º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

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