Obrigações de Meios e Obrigações de Resultado na Medicina Dentária

O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), de 24/01/2019, traz novamente à colação a clássica distinção entre obrigações de meios e obrigações de resultado. A mesma tende a mobilizar a "álea" como critério de distinção e apresenta inúmeras repercussões, sobretudo no que tange à disciplina aplicável a cada um dos tipos de obrigação, não só no plano dos encargos probatórios, mas também no plano do regime aplicável ao seu incumprimento, nomeadamente no que concerne às causas de exoneração do devedor.
No caso dos autos, foi celebrado entre a Autora e a Ré Clínica um contrato de prestação de serviços médico-dentários destinado à colocação de cinco implantes e de uma prótese híbrida acrílica, tendo o tribunal considerado que esta última é responsável pelos atos praticados pelas pessoas que utiliza para o cumprimento das obrigações que do mesmo resultam.
Tendo em conta os factos provados, conclui-se que a colocação dos implantes e da prótese foi executada pela 2.ª Ré (Médica Dentista) na pessoa da Autora de forma deficiente ou defeituosa, correspondendo o ilícito ao assinalado cumprimento defeituoso, operando a presunção de culpa do art. 799.º/1 do CC, a qual não foi ilidida.
Na decisão de 1.ª instância, a Ré Clínica foi condenada considerando o cumprimento defeituoso do contrato que celebrou com a Autora, tendo em conta a verificação dos pressupostos da responsabilidade contratual. Terá, pois, que indemnizar a Autora pelos danos patrimoniais (avaliáveis pecuniariamente) e não-patrimoniais (não passíveis de avaliação pecuniária). Já quanto à 2.ª Ré, entendeu-se que, não havendo a mesma celebrado com a Autora qualquer contrato, não poderia ser responsabilizada naqueles termos, mas apenas pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, os quais se consideraram não preenchidos (por falta de atuação ilícita).
O Tribunal da Relação de Lisboa veio confirmar a sentença recorrida no seu todo.
Como já afirmou Ana Elisabete Ferreira, em "Obrigações de meios e obrigações de resultado na responsabilidade médica. Estudo de caso e atualização de jurisprudência" (in Actualidad Jurídica Iberoamericana, n.º 3, 2015, p. 15), a doutrina e a jurisprudência portuguesas têm considerado que o ato cirúrgico configura uma obrigação de meios, enquanto que a interpretação de um exame médico ou de análises clínicas já configura uma obrigação de resultado.
De facto, é bastante difícil qualificar o ato médico como obrigação de resultado, já que o resultado do tratamento levado a cabo depende de muitos fatores alheios ao médico. Assim, na maioria dos casos, ao médico cirurgião está cometida uma obrigação de meios que seja conforme as leges artis, visto que o grau de incerteza de uma intervenção cirúrgica é acrescido e, muitas das vezes, não se procura curar a doença, mas antes atenuar os efeitos negativos que a mesma tem sobre o paciente.
Tal como já realçou o Ac. TRP de 5 de março de 2013, existem, porém, algumas "áreas da medicina em que a menor influência de fatores não controlados pelo profissional e o avançado grau de especialização técnica fazem reconduzir a obrigação do médico a uma obrigação de resultado, por ser quase nula a margem de incerteza deste". É o caso das intervenções médico-dentárias com fins predominantemente estéticos, tais como colocação de próteses, restauração de dentes e até a realização de implantes. Aí, o resultado surge sempre como "substrato imprescindível da obrigação".
Isso não significa que no domínio da odontologia (quando considerada genericamente) se possa afirmar que os médicos assumem sempre obrigações de resultado. Se é verdade que a colocação de próteses, ou certas operações onde os objetivos a alcançar não dependem senão da competência técnica dos médicos, podem configurar-se como obrigações de resultado, existem outras atividades dentárias mais complexas que devem considerar-se incluídas na categoria das obrigações de meios, porquanto se encontram dependentes de fatores diversos do estrito cumprimento das leges artis (neste sentido, v. Ac. TRP de 17 de junho de 2014).
Em suma, é louvável que a jurisprudência portuguesa venha reconhecendo, em casos de colocação de próteses dentárias e de implantes, a existência de uma obrigação de resultado. De facto, nestes casos, a margem de incerteza é praticamente nula e o médico tende a comprometer-se a obter um determinado resultado (sobretudo estético), passando por uma série de procedimentos que contribuem para alimentar as expectativas do paciente a atingir esse mesmo resultado outrora pretendido. Em casos como este, não há dúvidas de que a frustração dessas mesmas expetativas deverá, pois, acarretar o pagamento da respetiva indemnização pelos danos causados à luz do regime de responsabilidade civil contratual.
Marta Nogueira
Estagiária de Verão - Ana Elisabete Ferreira & Dias Pereira, Advogados
Aluna de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra