Alternativas à Experimentação Animal

A reflexão - amplíssima - sobre a experimentação académica e científica levada a cabo a partir de animais encontra-se situada numa fenda bioética: há interesses eticamente relevantes na experimentação animal, que poderão, em parte, afigurar-se contraditórios. Também não se deve obliterar o facto de que o que até aqui nos trouxe foi o caminho possível do circunstancialismo, balizado: por um lado, pelo ensejo legítimo e louvável do progresso científico, médico, e até mesmo estético; e, por outro, pela construção progressiva e não menos relevante de um discurso da moralidade animal. Este discurso revela, aliás, um duplo sentido: da Acão moral, enquanto condicionante da relação entre o homem e o animal não-humano, e da moralidade intrínseca do animal não-humano (aqui em fórmulas díspares que oscilam entre o problema da consciência, o problema da dignidade, e a apologia de uma moralidade naturalista, biologicamente radicada, de todos os animais).
Remonta a 1977 a elaboração da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, adotada pela Liga Internacional dos Direitos do Animal, e levada à sede da UNESCO por um representante da Liga, a 15 de outubro de 1978. Esta Declaração, onde se estabelecem os denominados "direitos dos animais" - nomeadamente, os direitos à existência, ao respeito e à integridade física e psíquica - e pese embora a sua importância no horizonte discursivo dos direitos dos animais, não foi formalmente aprovada pela UNESCO. E, assim, como uma «eterna proposta» legislativa, não alterou, do ponto de vista normativo e de modo significativo, a situação efetiva da utilização científica e académica de animais para fins de investigação.
Historicamente, a Diretiva 86/609/CEE, do Conselho, de 24 de novembro de 1986, representa o primeiro esforço comunitário relevante nesta matéria, e um impulso fundamental na positivação jurídica da doutrina de William Russell e Rex Burch sobre a experimentação animal (The Principles of Humane Experimental Technique, London, Methuen, 1959), sobejamente conhecida como «Teoria dos 3 R´s»: Reduction, Refinement and Replacement (Redução, Refinamento e Substituição).
A Diretiva 2010/63/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de setembro de 2010, relativa à Proteção dos Animais Utilizado para Fins Científicos foi transposta para o ordenamento jurídico nacional pelo Decreto-Lei n.º 113/2013, de 7 de agosto.
O âmbito de aplicação definido compreende os animais vertebrados vivos não-humanos, incluindo formas larvares de alimentação autónoma e formas fetais de mamíferos a partir do último terço do seu desenvolvimento normal, bem como os cefalópodes vivos.
Em termos gerais, este diploma estabelece que os cuidados a prestar aos animais e a sua utilização para fins científicos se rege, necessariamente, pelos princípios da substituição, da redução e do refinamento, pretendendo dar-se execução prática a tais princípios, nomeadamente no que concerne à escolha dos métodos que deverão ser aplicados, preferindo-se, em todo o caso, a utilização de métodos alternativos, isto é, de métodos de investigação que não impliquem a utilização de animais.
É afirmado, perentoriamente, que os animais têm um valor intrínseco, que deve ser respeitado, e que devem ser tratados como criaturas sencientes. A sua utilização em procedimentos deve ser limitada aos domínios em que essa utilização proporcione benefícios para a saúde humana ou animal, ou para o ambiente, podendo afirmar-se que é este, atualmente, o corolário dominante da utilização animal para estes fins: a utilização animal só se afigura legítima quando seja razoavelmente expectável que de tal utilização sobrevenham benefícios para a saúde humana, para a saúde animal e/ou para o ambiente.
Consequentemente, a utilização de animais para fins científicos ou educativos apenas deve ser considerada quando não existir uma alternativa não-animal.
Uma efetiva redução da utilização de animais para fins científicos passa, realmente, pela utilização de modelos alternativos na investigação científica e, em particular, nos ensaios clínicos de medicamentos para uso humano. No artigo anexo discutimos a pertinência de alguns desse modelos alternativos, designadamente:
A Utilização de Animais Transgénicos
A Xenotransplantação
Cultura Celular «in vitro»
Simulação Computacional «in silico»
Microdosagem
Ana Elisabete Ferreira, Alternativas à Experimentação Animal e Comissões de Ética, 2018.